O governo decretou intervenção federal pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1988. A decisão do presidente Michel Temer (MDB) de colocar as Forças Armadas no comando da segurança do Estado do Rio de Janeiro foi anunciada nesta sexta-feira (16), mas ainda será votada pelo Congresso nos próximos dias. Na prática, o decreto presidencial tira o poder do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (MDB), sobre as polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros. O responsável pelas corporações será o general Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste. O artigo 34, inciso 3º, da Constituição autoriza a União a intervir nos estados para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”. Já o artigo 36, parágrafo 1º, estabelece que “o decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do estado, no prazo de 24 horas”. Recentemente, o governo federal já atuou na segurança dos estados, mas por outros meios legais. Até então vinham sendo usadas as missões de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Segundo o Ministério da Defesa, essas ações, “ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em graves situações de perturbação da ordem”. Nesse cenário, o governo cede tropas das Forças Armadas e permite que elas atuem com poder de polícia até que a segurança seja restabelecida. A intervenção do Governo Federal na segurança pública do Rio de Janeiro começou a ser planejada há pouco mais de um ano. Em várias ocasiões, a ideia foi rechaçada pelo governador Luiz Fernando Pezão. Militares do Ministério da Defesa, ouvidos pelo G1, contam que a decisão já estava tomada e que havia um plano para ser implementado a qualquer momento. As imagens de violência durante o carnaval carioca foram a gota d’água. A lista de problemas que levaram à intervenção é extensa, de acordo com especialistas e militares: fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs); calamidade financeira; expansão da milícia; corrida armamentista do tráfico Problemas que foram amplificados pela crise financeira e política, seguidas das prisões do ex-governador Sérgio Cabral e do presidente do MDB no RJ e então presidente da Assembleia Legislativa (Alerj), o deputado estadual Jorge Picciani, envolvidos em um gigantesco esquema de corrupção, de acordo com a força-tarefa da Lava Jato no estado. Neste sábado (17), o general Braga Netto estará no Rio para reuniões com autoridades da Justiça, do Ministério Público e da área de segurança, além do governador Pezão e do presidente Michel Temer. No decreto que define a intervenção, há detalhes sobre o uso de recursos, mas não se trata da punição a casos de corrupção de agentes públicos. “Eu apoio a intervenção porque não se pode deixar o bandido dar as cartas. Agora, o decreto está capenga. Na ocupação do Complexo do Alemão, em 2010, nossa maior dificuldade foi punir policiais quando identificávamos algum problema. O decreto não dá amparo para uma punição disciplinar. E a gente sabe que há uma banda podre na polícia”, afirma o coronel do Exército Fernando Montenegro, um dos coordenadores da ocupação pelo Exército do Complexo do Alemão, há oito anos. A Federação de Favelas convocou uma reunião para este sábado. As lideranças comunitárias dizem que vão debater essa intervenção e criar um “gabinete de defesa”. A Ordem de Advogados do Brasil, seccional Rio, explicou, em nota, que acompanhará as ações das Forças Armadas e convocou uma reunião para março assim que proposta seja votada pelo Congresso Nacional. A ordem quer mobilizar entidades e ONGs. O procurador-geral de Justiça Militar, Jaime de Cassio Miranda, enviou ofício ao Ministério da Defesa e às forças militares informando que está à disposição para prestar apoio e acompanhar os trabalhos das Forças Armadas. Não faltam motivos para o caos da segurança pública que levou à intervenção federal no Rio. A retomada da violência A criminalidade cresce de forma constante desde 2016 no estado do RJ. O ano da Olimpíada do Rio marca também a derrocada da política de segurança pública baseada na retomada do controle territorial pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Em outubro, o responsável pela implantação desse projeto, José Mariano Beltrame, pede exoneração do cargo de secretário de Segurança depois de afirmar várias vezes que os esforços não eram suficientes para combater o crime no estado. Os sinais, no entanto, já estavam presentes. O número de mortes violentas e roubos de rua no estado do RJ já tinha aumentando dois anos seguidos após 2012, e o roubo de carga se tornava uma das modalidades preferidas dos traficantes para conseguir recursos. Em 2017, o número de mortes violentas no estado chega a 6.731, um aumento de 44% em apenas cinco anos, desfazendo a redução temporária provocadas pelo aumento do efetivo policial e as UPPs. No caso dos roubos de rua – que são mais frequentes e distribuídos, criando a sensação de insegurança o crescimento foi ainda maior. O crimes triplicaram no período, de 58,7 mil para 125,6 mil ocorrências por ano. Outro fenômeno recente foi o aumento expressivo dos roubos de carga. O número de registros aumentou 289% nos últimos cinco anos, de 3.656 para 10.599. Crise financeira O Rio vive há 1 ano e 8 meses em estado de calamidade pública. A recessão econômica do país, aliada à queda das receitas com royalties de petróleo, à má gestão e à corrupção no plano estadual provocaram uma crise financeira sem precedentes no governo fluminense. Endividado e sem caixa, o Rio ficou se condições de honrar os compromissos mais básicos, como pagar salários e fornecedores. A situação se refletiu na segurança pública. Benefícios foram cortados, o efetivo das polícias foram reduzidos e faltam recursos mínimos, como gasolina para viaturas e manutenção de carros. Como resultado,mais agentes deixaram a corporação. Alto poder de fogo das facções O alto poder de fogo das facções tem chamado a atenção das autoridades do governo federal. Em qualquer assalto, os criminosos portam fuzis para intimidar vítimas – até em estabelecimentos pequenos e sem segurança, como padarias e bares. O cidadão fluminense também convivido com trocas de tiros no interior do estado. Em locais onde não se tinha notícia da presença do tráfico, atualmente, moradores vivem sob o medo. A análise é de que a instalação das UPPs na capital levou traficantes da maior facção criminosa do RJ a invadirem áreas da Baixada Fluminense, da Região dos Lagos, da Costa Verde e das regiões Norte e Sul fluminense. “Hoje, no Rio, acabou aquela história de férias na casa da avó, aquele lugar bucólico onde você ia descansar. Regiões tranquilas, há alguns anos, como Angra dos Reis disputas entre traficantes, tirando a paz da região. Isso sem falar em bairros da capital”, analisa Zeca Borges, do Disque-denúncia. Nas comunidades, o som de tiros é cada vez mais comum. E nem unidades militares escapa. A Marinha abriu um inquérito para apurar as ameaças de um homem armado contra recrutas do Centro de Instrução Almirante Alexandrino, ao lado da favela Kelson’s na Penha. Logo após denúncia do G1, o Bom Dia Rio flagrou no local um traficante de fuzil junto ao muro da unidade – o criminosos foi preso pela PM horas depois. Milícias Há dez anos, uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Alerj descortinava a atuação de milícias no Rio. Nesta sexta, com o anúncio de que o estado está sob intervenção federal na área de segurança, uma das perguntas a ser feita é se a atuação dos militares também incluirá o combate aos milicianos. Segundo integrantes do Ministério Público, os grupos de criminosos já mudaram a forma de domínio sobre comunidades e têm feito parcerias com o tráfico para se manterem no poder. “Temos hoje soldados do tráfico virando milicianos. E também um tráfico que atua como milícia. Hoje, o tráfico explora ‘gatonet’, água mineral, explora gás. E por quê? Porque são dois grupos criminosos que têm um fim só: lucro ilícito”, explica a promotora do Grupo de Atuação no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Carmem Eliza Bastos. Em 2008, por meio de informações da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança, a comissão identificou 171 comunidades dominadas por milicianos. Hoje, membros do MP que lidam com processos relativos à atuação do crime organizado acreditam que muitas outras áreas do Rio de Janeiro estão sob domínio dos criminosos. Os confrontos com traficantes estão constantes com disputa de territórios como acontece desde Dezembro na região da Praça Seca, na zona Oeste do Rio. Carnaval, a gota d’agua A violência desenfreada durante o carnaval do Rio é apontada como a deixa que o Governo Federal precisava para a intervenção. Desde o início da folia, rodaram o mundo imagens e relatos de crimes cometidos na cidade que recebe 1,5 milhão de turistas no período. Relembre alguns fatos marcantes: Arrastões: imagens de roubos e agressões na orla mais badalada da cidade, entre Ipanema e Leblon, mostraram agressões a moradores e turistas. Um grupo foi roubado com brutalidade na porta do hotel Fasano, onde se hospedam celebridades internacionais que vêm ao Ri Três PMs foram mortos durante os dias de folia Dois policiais foram baleados tentando evitar assaltos no Leblon Um policial civil de folga foi agredido ao tentar evitar um assalto em Copacabana Clientes de um bar no Flamengo foram assaltados no sábado de Carnaval Um supermercado foi saqueado no Leblon Mulher foi assaltada e levou uma gravata na porta de prédio em Ipanema Mais um policial foi assassinado no Méier A caminho da Sambódromo, a van em que estava a atriz Juliana Paes e o sambista Moacyr Luz, que estava em um táxi, foram abordados por ladrões e assaltados Porta-voz da PM orientou foliões a não fazerem selfies para não serem roubados em Piraí, na Quarta-feira de Cinzas, Pezão admitiu falhas no planejamento da segurança.
Post – 17/02/2018 – 15:25
Por: G1
Edição: David Porto
Por: David Porto - Registro: MTBE 0006322-BA
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