“Tratar o câncer em si nunca pode deixar de ser a prioridade após o diagnóstico. Mas a questão é que devemos enxergar esse tratamento de maneira mais humana”, defende Maurício Chehin, ginecologista e especialista em reprodução humana da Universidade Santo Amaro e do Grupo Huntington Medicina Reprodutiva. Ou seja, não é porque você está batalhando contra uma doença séria que nada mais importa – e, nesse sentido, a fertilidade e o sonho de ter filhos devem ser contemplados.
Por quê? Infelizmente, alguns dos tratamentos contra tumores acaba afetando os ovários e os testículos, entre outros órgãos reprodutores.
A boa notícia é que dá para tomar medidas que preservam a fertilidade. Nesta entrevista, Chehin detalha o tema e os desafios por trás dele. Confira:
SAÚDE: Quando o paciente com câncer deveria falar de fertilidade?
Maurício Chehin: Na verdade, ela deveria ser abordada pelo oncologista no momento em que começa o planejamento do tratamento. Após o diagnóstico, o médico vai optar, junto com o paciente, por alguma estratégia terapêutica e quando iniciá-la. Se for químio, por exemplo, é preciso saber quando ela será administrada, porque esses remédios podem causar infertilidade e, dependendo do tempo, eu consigo usar uma ou outra técnica para manter o sonho de a mulher ter filhos.
O oncologista não costuma ser especialista em técnicas de reprodução assistida. Mas ele precisa abordar o assunto e falar que elas existem. É uma abordagem multidisciplinar. Essa é uma grande barreira do paciente com um tumor maligno: os oncologistas ainda não têm dado tanta importância aos efeitos secundários do tratamento.
Anos atrás, a gente fez uma pesquisa durante o Outubro Rosa dentro do Parque Ibirapuera [em São Paulo]. Lá tinha um stand de prevenção de câncer de mama em que nós ensinávamos alguns conceitos. E aplicamos um questionário para 250 pessoas.
Aí notamos que 66% dos entrevistados não sabiam que o câncer ou o tratamento pode provocar infertilidade. E 78% delas não sabiam que há técnicas para a preservação da fertilidade.
Mas tem uma parte mais preocupante: quando pegamos profissionais da área de saúde e os comparamos com outras pessoas de nível escolar superior, não houve diferença significativa de conhecimento. Mais ou menos 27% dos dois grupos sabia que existem técnicas de preservação de fertilidade para pacientes com câncer. É pouca gente.
E por que é importante debatermos mais isso?
Na verdade, tratar o câncer nunca pode deixar de ser a prioridade quando estamos de frente a essa doença. Mas a questão é que devemos enxergar o tratamento de maneira mais humana. Hoje, de 80 a 90% dos cânceres jovens vão ser curados. E esses jovens, uma vez curados, vão querer qualidade de vida. Aliás, são esses adultos jovens que mais se beneficiam das técnicas de preservação de fertilidade.
Hoje, 10% de todos os tipos de câncer acontecem antes dos 45 anos. Os outros 90% vêm depois. Esse público mais velho não é o foco da oncofertilidade, até porque vários já estão inférteis ou já tiveram filhos.
Como o tratamento contra o câncer afeta a fertilidade?
A quimioterapia, a cirurgia e a radioterapia às vezes promovem lesões nos ovários ou nos testículos. Mas isso depende do tipo de tumor, do tipo de tratamento, do tipo de droga, da dose, do número de sessões.
Quando falamos de risco de infertilidade, falamos também da idade. As mulheres têm uma reserva de óvulos, que vai diminuindo com o tempo. Se a reserva é mais baixa, o risco de o tratamento afetar a fertilidade é maior. Se não, ela pode aguentar um pouco mais.
E como é o tratamento para preservar a fertilidade?
Vamos falar das mulheres primeiro. Para elas, basicamente a gente tem 4 opções. São eles: congelamento de óvulos, congelamento de embriões, congelamento de tecido ovariano e a supressão ovariana.
O que mais se faz é congelar os óvulos. Aí eu preciso de uns 12 a 14 dias antes do início do tratamento contra o câncer, porque tenho que induzir a ovulação para coletar óvulos maduros e, então, armazená-los em condições ideais. Se a paciente precisar fazer uma químio em três dias, não consegue congelar óvulos.
O congelamento de embriões segue da mesma forma. A diferença é que coleto e já fertilizo com o espermatozoide no laboratório. Então a paciente já precisaria ter um parceiro. Aí eu os congelo da mesma forma.
A técnica que não demanda esse tempo é o congelamento de tecido ovariano. Eu chego, interno, faço uma cirurgia por videolaparoscopia e tiro parte do ovário. Aí faço uma preparação com esse tecido e o congelo.
Daí em diante a mulher pode passar por todo o tratamento contra o câncer e seguir com sua vida. Se um dia ela quiser ter filhos e se de fato ficou infértil, a gente reimplanta o tecido ovariano, que volta a produzir óvulos.
No Brasil, não temos bebês nascidos com essa técnica, porque se congela o tecido ovariano há poucos anos. Mas são por volta de 90 bebes nascidos com esse procedimento ao redor do mundo. É uma técnica promissora, funciona bem.
O medo é: será que quando faço isso eu poderia estar reintroduzindo uma célula cancerosa? Como tirei o tecido ovariano no momento em que o tumor estava no corpo, teoricamente esse risco existe. Mas não é algo que vimos ainda.
Post – 31/10/2017 – 19:48
Informação:Theo Ruprecht
Redação: Alerta Bahia
Edição: David Porto